26 fevereiro 2009

Blogue pornográfico


Parece que foram apreendidos vários exemplares de um livro chamado “Pornocracia”. Ao que consta, alguns cidadãos preocupados com a moral e os bons costumes, consideraram a capa do livro ofensiva e o título demasiado próximo da palavra pornografia…Assim sendo apresentaram queixa e a polícia agiu – e muito bem, digo eu!

Antes de mais, é preciso dar os parabéns ao autor do livro, porque não há melhor publicidade do que a controvérsia. E ainda por cima é grátis! Imagino que o tal “Pornocracia” estivesse a ser vendido a preço de saldo e agora esteja a preparar-se para a 2ª edição. Assim se faz um “best seller”.

Em segundo lugar, quero louvar os cidadãos que rapidamente se auto-mobilizaram para erradicar esta pouca vergonha. Vivam os vícios privados e as públicas virtudes! Sim, porque toda a gente sabe que a pornografia é uma coisa feia e suja de que ninguém gosta, à excepção talvez um ou outro adolescente (do sexo masculino, claro!) com as hormonas aos pulos e condenado à danação eterna por tal gosto decadente...

Concordo em absoluto que a capa do livro é chocante e revoltante. Uma vulva assim exposta, nua, semi-aberta, à espera sabe-se lá de quê ou de quem, a dar-se ao mundo inteiro é a coisa mais perigosamente imoral à face da terra. Sobretudo nos dias que correm. Sobretudo quando comparada com os milhares de pessoas que, a cada hora que passa, morrem à fome ou de doenças para as quais já se conhece a cura, ou com as guerras que começam não se sabe muito bem porquê, com as filas crescentes para os bancos alimentares, os despedimentos em massa, o endividamento de países inteiros, os políticos corruptos (ou deveria dizer simplesmente “os políticos”?), etc, etc.

Finalmente, sobre a imagem na capa da dita “Pornocracia”. A obra em questão chama-se “L’Origine du Monde” e foi pintada em 1866 por Gustave Courbet, um homem inconformista como tantos outros da sua época (segunda metade do séc. XIX). Farto dos cânones rígidos a que a arte estava sujeita, decidiu, pela primeira vez, pintar a vulva e as coxas de uma mulher de forma realista, sem quaisquer constrangimentos de estética e de forma.

O quadro está exposto no Museu d’Orsay em Paris para todos os que o queiram ver. Podem ou não gostar, mas não me parece que seja particularmente ofensivo e muito menos pornográfico. Um dia, os artistas começaram a libertar-se das convenções que as ditaduras estéticas lhes impunham e criou-se a liberdade na arte - um conceito recente, portanto.

Em Viena, poucos anos depois de Courbet ter pintado a sua origem do mundo, um grupo de artistas reivindicava a absoluta liberdade para criação artística (“Der Zeit ihre Kunst. Der Kunst ihre Freiheit” – vá, procurem a tradução!). Assim nasceu a arte contemporânea. Livre de cânones, transversal, para que todos possamos gostar ou desgostar, mas na qual não haja lugar para a indiferença.

A liberdade é o bem mais precioso que podemos ter. Na arte e na vida. Estamos limitados a um curto tempo de vida e restringidos por tantas coisas que não podemos evitar, que procurar mais constrangimentos é um crime contra nós mesmos. A arte é livre, qualquer forma de arte e de expressão vive da liberdade.

Porque podemos e devemos expressar-nos, porque temos todo o direito a viver as nossas realidades e fantasias sem a pior censura de todas que é a auto-censura, que gera a hipocrisia, a intolerância, o medo e a frustração. Porque temos o direito à liberdade de expressão e é essa amplitude de ideias que nos torna melhores pessoas, mais condescendentes e solidários com quem não partilha das mesmas convicções.

Por tudo isto e, acima de tudo, porque me apetece e este Convento é meu e o meu Abade partilha das mesmas ideias e quem não gostar pode sempre chamar a polícia, declaro orgulhosamente que este é um blogue pornográfico.

E tenho escrito.

PS – É muito bom estar de volta