11 dezembro 2003

A infância

Roberto era um rapaz traquina que habitava um pobre e degradado bairro social, no centro de Lisboa. De manhã, quando se levantava, ia à janela respirar o ar puro que brotava do jardim interior do condomínio onde morava. Antes de qualquer outra coisa, gritava cá para baixo, para o senhor Joaquim - o porteiro do condomínio - um alegre bom dia. De seguida, como qualquer criança problemática e traquina, ia tomar o seu desnutrido pequeno almoço - cereais estaladiços regados com muito leite. Após um rápido duche de 40 minutos, onde a traquina criança se ia descobrindo, vestia-se e lá descia ele, de elevador, da cobertura para o piso da garagem onde a sua bicicleta o aguardava. Não sem antes espreitar para o quarto da sua meia-irmã, umas vezes para tentar descobrir se esta havia trazido alguma amiga, outras para os sonhos descobrir.

No caminho para o colégio privado, via passar os meninos ricos. Sentados nos autocarros, a dirigirem-se para as escolas públicas. "Isto sim... é vida" pensava ele. Chegou mesmo a prometer a si mesmo que os seus filhos haveriam de chegar lá... ter aquela vida privilegiada. Morar numa pequena casita, num bairro aconchegante. Quem sabe, até poderiam vir a ser funcionários públicos.. mas isso já era sonhar de mais. Uma coisa de cada vez.

Neste dia, quando estava quase, quase a chegar à escola, teve uma queda, quando apareceu à sua frente, vinda sabe-se lá de onde, uma garrafa de cerveja vazia. Não se conseguiu desviar e ... quando deu por isso já estava no chão. Agarrou na garrafa, e para tentar ler a marca da cerveja, põs-se a esfregar a garrafa. Quando conseguiu limpar o rótulo e ler "Ganda Buba", um esquisito fumo branco saiu pelo gargalo. O fumo tomou forma e materializou-se na sua frente. Aparentemente, ele tinha soltado o génio da garrafa. Este génio, fisicamente parecido com o Fernando Mentes, perguntou então:
- O mestre chamou-me?
Ao ouvir a sua voz, e tonto pelo bafo centenário e azedo da cerveja, o rapaz caiu para trás.
- Ajuda-me a levantar - pediu.
O génio ajudou então o nosso traquina a levantar-se, dizendo:
- Falta um, mestre.
- Falta um? Falta um quê?
- Desejo, mestre.
- Mas eu ainda não gastei nenhum. Não são três os desejos ? - refilou o nosso traquina.
- Já foram em tempos, mestre. Actualmente, devido à conjectura internacional, ficou decidido no Genius8 - a reunião magna dos génios - que só são permitidos dois desejos por mestre. Eu já o ajudei a levantar, resta apenas outro.
- Mas eu não desejei que me levantasses!
- Mas pediu... é a mesma coisa.
Então, o menino pensou, pensou... lembrou-se como seria bom ter a vida dos outros meninos - os ricos. Lembrou-se também que estava na idade das descobertas, começara já a olhar para as meninas com outros olhos (às vezes até punha lentes coloridas), espreitava a sua meia-irmã e as amigas. Ouvia-as vezes sem conta a comentar como era "um pão aquele rapaz do 11º". Após reflectir bastante, durante quase 10 segundos, afirmou:
- Quero o corpo que todas as mulheres desejam.
- Assim seja, meu mestre.
Uma nuvem de fumo desceu sobre ele. O génio desapareceu.
Sem ter qualquer espelho para se poder observar e ver as diferenças, resolve ir espreitar a uma banca de vendedores ambulantes, portugueses outrora radicados na Índia. Como não tinha dinheiro consigo, a não ser o seu cartão de crédito, viu-se na contigência de ter de roubar um espelho. E assim o fez.

Parangona no Carteiro da Manhã do dia Seguinte: Roberta Close rouba pobre comerciante.