Meu Bom Selvagem,
Antes de mais, deixe-me dizer-lhe que sou uma admiradora da sua poesia – é imprescindível e urgente que se deixe publicar!
Obrigada pelos amáveis comentários ao meu momento de saudosismo. Em Portugal aprendemos cedo a ser saudosistas, afinal estamos no país do fado e da melancolia, dos feitos e glórias esforçados e passados. A saudade tem honras de sentimento nacional entre nós e é com grande orgulho que enchemos o peito de ar e suspiramos “No meu tempo...”. Está-nos no sangue e na alma este modo de ser. Por isso não admira que, apesar dos meus tenros 31 aninhos, me sinta tentada a ter estes ataques de vez em quando, até porque, visto de outra perspectiva, é a minha maneira de dizer que já me sinto “crescida”, já tenho memórias, já me lembro de como as coisas eram há 20 anos atrás, já carrego os meus próprios pianos...
Sabe, na parede do meu gabinete tenho uma fotografia da Avenida do Brasil quase sem carros e onde se vêem ao longe as hortas que deram lugar à 2ª Circular. Gosto de olhar para ela, sobretudo nos dias em que o trânsito se torna mais insuportável. Mas tem-se saudades do que se pode, do que se conheceu ou viveu e, como tal, eu só posso suspirar pela década de 80 que, admito, não terá sido particularmente interessante ou decisiva na história da humanidade. Como diz, nós encontrámos tudo feito – até as papas que comemos em bébés eram instantâneas (“basta juntar água”, não leite, senhores, mas apenas água!). As facilidades são tantas que, um destes dias, vamos deixar de precisar usar o corpo e a cabeça seja para o que for (alguns pioneiros já começaram a fazê-lo com grande sucesso, ao que parece...)
Mas, sabe, eu não posso deixar de sentir que pertenço a esta época, da mesma maneira que o meu Bom Selvagem pertence à sua, onde tinha o privilégio de poder nadar sob as estrelas. E olhe que, como estudante de História, dou comigo muitas vezes sentir saudades do que não vivi. Senti-me assim quando li os seus comentários. Tive saudades das estrelas que nunca vi em Lisboa, do Tejo que está moribundo (só o Prof. Marcelo se atreve a mergulhar nele e, mesmo assim, já não o faz há muito tempo). Lembro-me da primeira vez que vi o céu fora de Lisboa. Nem queria acreditar! Perguntei à minha mãe onde se escondiam tantas estrelas e ela falou-me das luzes e da poluição das cidades que as escondem.
Muitas vezes dou comigo a desejar ter vivido noutras épocas. Não porque acredite que as coisas eram mais fáceis, bem pelo contrário, mas porque procuro a raíz dos tempos. Sou uma coleccionadora de recordações, de fragmentos de outros passados. Obrigada por me ter confiado um bocadinho do seu.
Na verdade, pertencemos todos a este dia, a esta hora, ao minuto que passa. O resto talvez seja bagagem desnecessária, mas creio que todos começam a empilhá-la a partir de um certo momento.
Obrigada pelos amáveis comentários ao meu momento de saudosismo. Em Portugal aprendemos cedo a ser saudosistas, afinal estamos no país do fado e da melancolia, dos feitos e glórias esforçados e passados. A saudade tem honras de sentimento nacional entre nós e é com grande orgulho que enchemos o peito de ar e suspiramos “No meu tempo...”. Está-nos no sangue e na alma este modo de ser. Por isso não admira que, apesar dos meus tenros 31 aninhos, me sinta tentada a ter estes ataques de vez em quando, até porque, visto de outra perspectiva, é a minha maneira de dizer que já me sinto “crescida”, já tenho memórias, já me lembro de como as coisas eram há 20 anos atrás, já carrego os meus próprios pianos...
Sabe, na parede do meu gabinete tenho uma fotografia da Avenida do Brasil quase sem carros e onde se vêem ao longe as hortas que deram lugar à 2ª Circular. Gosto de olhar para ela, sobretudo nos dias em que o trânsito se torna mais insuportável. Mas tem-se saudades do que se pode, do que se conheceu ou viveu e, como tal, eu só posso suspirar pela década de 80 que, admito, não terá sido particularmente interessante ou decisiva na história da humanidade. Como diz, nós encontrámos tudo feito – até as papas que comemos em bébés eram instantâneas (“basta juntar água”, não leite, senhores, mas apenas água!). As facilidades são tantas que, um destes dias, vamos deixar de precisar usar o corpo e a cabeça seja para o que for (alguns pioneiros já começaram a fazê-lo com grande sucesso, ao que parece...)
Mas, sabe, eu não posso deixar de sentir que pertenço a esta época, da mesma maneira que o meu Bom Selvagem pertence à sua, onde tinha o privilégio de poder nadar sob as estrelas. E olhe que, como estudante de História, dou comigo muitas vezes sentir saudades do que não vivi. Senti-me assim quando li os seus comentários. Tive saudades das estrelas que nunca vi em Lisboa, do Tejo que está moribundo (só o Prof. Marcelo se atreve a mergulhar nele e, mesmo assim, já não o faz há muito tempo). Lembro-me da primeira vez que vi o céu fora de Lisboa. Nem queria acreditar! Perguntei à minha mãe onde se escondiam tantas estrelas e ela falou-me das luzes e da poluição das cidades que as escondem.
Muitas vezes dou comigo a desejar ter vivido noutras épocas. Não porque acredite que as coisas eram mais fáceis, bem pelo contrário, mas porque procuro a raíz dos tempos. Sou uma coleccionadora de recordações, de fragmentos de outros passados. Obrigada por me ter confiado um bocadinho do seu.
Na verdade, pertencemos todos a este dia, a esta hora, ao minuto que passa. O resto talvez seja bagagem desnecessária, mas creio que todos começam a empilhá-la a partir de um certo momento.
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