24 novembro 2003

António Gedeão


António Gedeão
@Citi

Afirmando-se como um dos mais brilhantes e talentosos criadores lusófonos do século XX, Rómulo de Carvalho/António Gedeão, respectivamente, o professor, pedagogo e historiador da ciência, e o seu alter-ego literário, atravessou todas as convulsões e acontecimentos marcantes do nosso século, que se reflectiram no formar-se de um espírito extremamente marcado pelo cepticismo e pela ironia, sempre presentes nos seus poemas.

Licenciado em Ciências Físico-Químicas pela Universidade do Porto em 1931, traduziu como ninguém, a ciência para os leigos, desvendando segredos científicos com a mesma simplicidade com que os exemplificava.

Lisboeta toda uma vida, uniu de forma exemplar, através da sua obra, a ciência e a poesia, a vida e o sonho. Apesar de só aos 50 anos ter decidido publicar o seu primeiro livro de poesia, inaugurando assim uma carreira que se afirmou por si própria na cultura portuguesa, tornou-se uma figura de referência incontornável no imaginário colectivo do povo português, principalmente para toda a geração da "Pedra Filosofal".

Poucos meses após ter celebrado o seu 90º aniversário, assinalado pela homenagem que lhe foi prestada pelo Ministério de Ciência e de Tecnologia, a sua morte em 19 de Fevereiro 1997, deixa-nos um legado para o futuro, numa sociedade cada vez mais global, onde a união entre Ciências e Humanidades se torna cada vez mais uma necessidade premente.

in C.I.T.I - Universidade Nova de Lisboa


António Gedeão, nasceu a 24 de Novembro de 1906. Entre a sua obra, contam-se alguns dos mais belos poemas da língua portuguesa, ensaios, obras de ficção, obras científicas, etc.

Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.

Eu, infante, não sabia
as mágoas que a vida tem.
Ingenuamente sorria,
me aninhava e adormecia
no colo da minha mãe.

Soube depois que há no mundo
umas tantas criaturas
que vivem num charco imundo
arrancando arroz do fundo
de pestilentas planuras.

Um sol de arestas pastosas
cobre-os de cinza e de azebre
à flor das águas lodosas,
eclodindo em capciosas
intermitências de febre.

Já não tenho o teu engodo,
Ó mãe, nem desejo tê-lo.
Prefiro o charco e o lodo.
Quero o sofrimento todo,
Quero senti-lo, e vencê-lo.


António Gedeão, Dor de Alma