O meu pai quis ser cremado. Dizia que não queria romarias tristes, lápides, memoriais, homenagens depois da morte. Assim fizémos. Mas não quero deixá-lo ir sem marcar a sua morte neste meu diário virtual, se bem que estes dias nunca mais serão apagados da minha memória.
Não sei bem o que sinto, é uma dor fina mas intensa, um prenúncio de que estes ainda são os dias fáceis, os dias de excepção, de sono perturbado por instantes de pesadelo, em que a família e os amigos formam uma espécie de laço apertado à nossa volta. Quando o laço começar a soltar-se, porque assim tem de ser necessariamente, tenho a certeza de que os dias serão cada vez mais difíceis, cheios de saudade, de angústia, de desespero, da certeza de que nunca mais vou ver o meu pai, nunca mais vou conversar com ele, nunca mais teremos as nossas discussões que nunca terminavam em zangas porque ele não se sabia zangar fosse com quem fosse.
Lembro-me do que lhe escrevi no último Dia do Pai. Nessa altura, se me dissessem que teria pouco mais de um mês para estar com ele, não teria acreditado. Na verdade, ainda hoje não acredito que ele morreu. Ainda penso em telefonar-lhe para lhe perguntar coisas, ainda espero acordar deste pesadelo. O postal que lhe escrevi na escola primária e que ele guardou todos estes anos, levou-o com ele. Fazem parte da mesma cinza.
O meu pai morreu aos 69 anos quando nada fazia esperar tal desfecho. O meu pai morreu vítima das péssimas condições dos hospitais deste país, onde o dinheiro só sobra para construír centros pseudo-culturais e gigantescos campos de futebol, para servir vaidades e raramente para suprir necessidades. O meu pai morreu porque existem médicos e enfermeiros que não honram a profissão que escolheram. O meu pai morreu. Não há nada que possa alterar isto.
Se houvesse um banco onde pudéssemos depositar tempo de vida, eu teria depositado o meu sem hesitar.
Restam-me as memórias, os anos que tivémos juntos. Por ele, recuso tornar-me amarga e triste. Por ele vou ser forte e viver melhor, porque sei o quanto ele gostava da vida. Este é o meu memorial, a minha homenagem.
António Santos Fonseca
13/12/1935 – 21/04/2004
O meu querido pai.
Não sei bem o que sinto, é uma dor fina mas intensa, um prenúncio de que estes ainda são os dias fáceis, os dias de excepção, de sono perturbado por instantes de pesadelo, em que a família e os amigos formam uma espécie de laço apertado à nossa volta. Quando o laço começar a soltar-se, porque assim tem de ser necessariamente, tenho a certeza de que os dias serão cada vez mais difíceis, cheios de saudade, de angústia, de desespero, da certeza de que nunca mais vou ver o meu pai, nunca mais vou conversar com ele, nunca mais teremos as nossas discussões que nunca terminavam em zangas porque ele não se sabia zangar fosse com quem fosse.
Lembro-me do que lhe escrevi no último Dia do Pai. Nessa altura, se me dissessem que teria pouco mais de um mês para estar com ele, não teria acreditado. Na verdade, ainda hoje não acredito que ele morreu. Ainda penso em telefonar-lhe para lhe perguntar coisas, ainda espero acordar deste pesadelo. O postal que lhe escrevi na escola primária e que ele guardou todos estes anos, levou-o com ele. Fazem parte da mesma cinza.
O meu pai morreu aos 69 anos quando nada fazia esperar tal desfecho. O meu pai morreu vítima das péssimas condições dos hospitais deste país, onde o dinheiro só sobra para construír centros pseudo-culturais e gigantescos campos de futebol, para servir vaidades e raramente para suprir necessidades. O meu pai morreu porque existem médicos e enfermeiros que não honram a profissão que escolheram. O meu pai morreu. Não há nada que possa alterar isto.
Se houvesse um banco onde pudéssemos depositar tempo de vida, eu teria depositado o meu sem hesitar.
Restam-me as memórias, os anos que tivémos juntos. Por ele, recuso tornar-me amarga e triste. Por ele vou ser forte e viver melhor, porque sei o quanto ele gostava da vida. Este é o meu memorial, a minha homenagem.
António Santos Fonseca
13/12/1935 – 21/04/2004
O meu querido pai.
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