16 junho 2004

Orgulhosamente portugueses

Os portugueses descobriram um sentimento novo: o orgulho em ser português. E descobriram-no graças ao futebol. E de repente o país ficou mais colorido, pejado de bandeiras por todo o lado. Nas mãos, nas janelas ou nos carros, pintadas ou vestidas, usadas com maior ou menor imaginação, com pagodes em vez de castelos, mas ninguém discute que o verde e o encarnado são as cores do momento.

Mas quantos portugueses sabem de onde vêm o verde e o encarnado que dão cor à nossa bandeira? Quantos sabem a idade que ela tem, quem a projectou, quem a aprovou e que estandarte veio substituir? Quantos lhe conhecem os símbolos e as histórias, os homens e os feitos por detrás desses símbolos? As armas e os barões que depois de assinalados foram esquecidos.

Muito se fala sobre o ser português. Mas o que é isso de “ser português”? É gostar de futebol e apoiar uma selecção de jogadores gordos, velhos demais para correr, que não fazem a mais pequena ideia do que significa trabalho de equipa? Um bando de valquírias, cada uma a tentar gritar mais alto do que as outras, aos trambolhões pelo campo fora? Eu não gosto de futebol (não sei se já tinham percebido). Não gosto particularmente de desportos colectivos, mas o futebol revolta-me até às entranhas. Pelos interesses em jogo que pouco ou nada têm de desportivo, pelos sentimentos agressivos e comportamentos tristes que provoca, pelo dinheiro, pela corrupção, pelas mentiras, traições, maquinações, pelos ordenados escandalosos de jogadores, treinadores e dirigentes que são uma completa afronta a quem neste país encarnado e verde tem de dominar o difícil jogo de conseguir sobreviver com pouco mais de trezentos euros por mês (menos se for reformado). Revolta-me que o futebol receba tantas atenções e incentivos quando outros atletas, de outras modalidades, que têm trazido tantas vitórias para Portugal, continuem a viver num relativo anonimato, quando comparados com as “estrelas” do relvado.

Mas a questão aqui não é o meu (des)gosto pelo desporto ao qual se chama rei. A questão é este nacionalismo serôdio e apatetado que atacou os portugueses de repente e que será esquecido assim que o campeonato terminar – isto se não começar já hoje a (curta) caminhada até ao esquecimento, no caso de o jogo com a Rússia correr mal....

Meus amigos, ser português, ter orgulho no país onde se nasceu ou onde se vive implica muito mais do que berrar o nome de Portugal antes dos jogos da selecção. Ser português (ou inglês, ou francês, ou ucraniano, ou outra coisa qualquer) implica conhecer o solo onde se nasceu ou onde se vive, as terras e recantos, os sabores e cheiros, os contrastes e semelhanças, as belezas e as feiuras, os bons e maus momentos, os orgulhos e as vergonhas, os triunfos e as derrotas, os nomes das ruas e os feitos dos homens que viveram sob esses nomes. Quem foi António Augusto de Aguiar? E o Duque de Palmela? E, já agora, quem é o fulano de bronze que está de pé sobre o pedestal no Cais do Sodré a olhar para o rio como se ainda esperasse alguma coisa (ou alguém) que tarda em chegar? E, já agora, que fez ele para merecer uma estátua?

Ser português é ter orgulho de Portugal sempre, mesmo quando não há futebol. Não o orgulho bacôco, de que falava o outro senhor, aquele que dizia na sua Lição que estávamos melhor “orgulhosamente sós”, mas o orgulho de sermos cidadãos deste pequeno mundo e de, dentro dele, representarmos um país antigo, cheio de glórias e de vergonhas, um cavalheiro ancião com uma longa existência, revoltado na adolescência, aventureiro na juventude, deslumbrado e deslumbrante enquanto adulto e onde, felizmente, houve e haverá sempre alguém a dizer “Não!”.