06 outubro 2003

excertos...

(...) Deixe lá, não tome as minhas palavras como uma censura, deu-me até muito gosto que tivesse aparecido, esta primeira noite, provavelmente, não ia ser fácil,
Medo,
Assustei-me um pouco quando ouvi bater, não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era apenas a solidão,
Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é,
Sempre vivi só,
Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz,
Você está a tresvariar, tudo quanto menciona está ligado está ligado entre si, aí não há nenhuma solidão,
Deixemos a árvore, olhe para dentro de si e veja a solidão,
Como disse o outro, solitário andar por entre a gente,
Pior do que isso, solitário estar onde nem nós próprios estamos
(...)

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis