17 junho 2004

A vida e a morte de mãos dadas

No Sábado passado, o meu caríssimo Marquês perguntava ao João quando teria sobrinhos. Respondi-lhe que deverá ter um durante o próximo ano, talvez em Agosto ou Setembro, talvez antes, quem sabe. Mas como as palavras ditas são sempre curtas e nunca conseguem chegar exactamente onde queremos, aqui vai a resposta mais completa, para o meu nobre tio e para mim própria, para que fique registado neste diário virtual que um dia certamente será, como todos nós, pó, cinza e nada...

No dia a seguir à morte do meu pai e enquanto entrávamos na igreja onde o seu corpo seria velado, disse ao João que, se ele estivesse de acordo, iria deixar de tomar a pílula. Estava tão invadida pela morte que precisava desesperadamente de vida.

Quando morre alguém a quem amamos, nós morremos também. Parte de nós, pelo menos, a parte que se dedicava a essa pessoa, a parte onde ela deixou as suas marcas. Não é possível ressuscitar essa parte. Não se pode encaixar outra pessoa nela, outro amor, porque as pessoas não se substituem, não se sobrepõem, assim como os dias não regressam depois de vividos e não é possível viver dois dias de uma só vez.

Sempre considerei a capacidade de gerar e parir como uma benção, um milagre apesar de todo o conhecimento que temos de como a natureza se comporta em nós. Naquele dia, decidi que queria experimentar esse milagre. Não para dar ao meu filho o amor que era do meu pai. Em primeiro lugar, porque continuo a amar o meu pai da mesma maneira, depois porque, como já disse, não existe um amor mas sim amores, que podemos dedicar de uma mesma maneira a uma só pessoa.

Quero ter um filho porque quero gerar vida. Porque acredito que tenho alguma coisa para lhe dar neste mundo de loucos, cada vez mais pequeno, cada dia mais perigoso e triste. Quero ter um filho porque chegou a hora, porque o meu corpo me envia esses sinais numa espécie de ânsia, de vontade que se move nas minhas entranhas e não se aquieta. Não é um relógio biológico, não é um tique-taque, é uma erupção, uma explosão, um big bang que, se tudo correr bem, terá como resultado o nascimento de mais um universo.