26 agosto 2003

Festival da Canção

Corpo de linho
lábios de mosto
meu corpo lindo
meu fogo posto.
Eira de milho
luar de Agosto
quem faz um filho
fá-lo por gosto.
É milho-rei
milho vermelho
cravo de carne
bago de amor
filho de um rei
que sendo velho
volta a nascer
quando há calor.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Minha raiz de pinho verde
meu céu azul tocando a serra
oh minha água e minha sede
oh mar ao sul da minha terra. É trigo loiro
é além tejo
o meu país
neste momento
o sol o queima
o vento o beija
seara louca em movimento.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Olhos de amêndoa
cisterna escura
onde se alpendra
a desventura.

Moira escondida
moira encantada
lenda perdida
lenda encontrada.

Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.

("Desfolhada", ´poema de José Carlos Ary dos Santos, incluído no livro "As Palavras das Cantigas" (1989) e cantado a 24 de Fevereiro de 1969 por Simone de Oliveira no Festival RTP da Canção)

Lembram-se de quando o país parava para assistir ao Festival da Canção? E à Eurovisão? E lembram-se de quando se escreviam poemas assim? Eu lembrar-me não me lembro, mas tive a sorte de nascer de pais com muito boa memória e excelente gosto musical (sim, porque a cassete do Nelson Ned que o meu pai trazia no carro era só para me chatear, tenho a certeza!)