03 outubro 2003

Explicação

Não vou comentar o caso que faz as delícias de jornais e televisões, da suposta "cunha" da filha do ministro Martins da Cruz no acesso à universidade. E não vou comentar porque acho de uma ingenuidade enternecedora que as pessoas ainda acreditem que, e admitindo que a jovem entrou para medicina realmente através do "factor C", este seja o primeiro caso do género a ter lugar em Portugal. As "cunhas" estão por todo o lado, em todas as áreas, e acompanham-nos desde muito cedo na história do país. A diferença é que dantes, durante a Idade Média, por exemplo, os privilegiados assumiam-se como tal e referiam-se aos benefícios recebidos como "favores" - nome diferente para o mesmo conceito.

A explicação que peço não é sobre este caso em concreto mas sobre os chamados "regimes especiais" de acesso ao ensino superior. Não conheço muito bem a Lei, confesso, mas pelo que sei, filhos de diplomatas, atletas de alta competição e naturais dos PALOP podem requerer, dentro de determinadas condições, acesso às universidades estatais, havendo vagas reservadas especialmente para eles. Não sei se a Lei contempla outros casos, estes são os que conheço.

E pergunto: Porquê? Não me estou a queixar, não protesto por mim que entrei para a universidade estatal à primeira tentativa, para o curso que escolhi e quando quis mudar as únicas dificuldades que encontrei foram de natureza diferente. Mas as coisas não funcionam sempre tão bem e as dificuldades de acesso ao ensino superior ainda são, infelizmente, bem reais em Portugal. Ia escrever que me considero privilegiada por ter tido um acesso tão fácil (e sem "cunhas"!), mas o meu caso não pode ser visto como privilégio, pelo simples motivo que deveria ser sempre assim.

Posso estar a ser injusta e é isso que quero que me digam mas, porque é que essas pessoas tem de ter condições especiais que o resto de nós não tem?

Um atleta de alta competição trabalha muito é certo (e, por vezes, com pouco ou nenhum reconhecimento), mas as pessoas que trabalham e estudam ao mesmo tempo também o fazem e não têm qualquer tipo de benefícios por isso (aliás, por vezes até o estatuto de trabalhador-estudante lhes é negado, com argumentos que roçam a ilegalidade).

Um natural dos PALOP lida com dificuldades sérias no seu país mas serão menos sérias as que um estudante do interior esquecido de Portugal, que não tem qualquer regime especial ao qual possa apelar para aceder à universidade sofre? O número de pessoas que em Portugal abandonam os estudos antes de terem completado a escolaridade mínima obrigatória continua alarmante. Não deveríamos também olhar para estes casos como "especiais"?

Mas os filhos de diplomatas são os casos que eu menos compreendo! Tenho uma amiga diplomata e sei, para começar, o quanto ela ganha (pelo menos, faço uma boa ideia). Qual é o argumento para que estas pessoas estejam protegidas por um regime especial de acesso à universidade? Instabilidade, logo possibilidade de notas mais baixas? O facto de estudarem em escolas estrangeiras, logo dificuldade de aprendizagem devido ao idioma? Sinceramente, não me parecem motivos válidos.

Será que alguém me pode ajudar a ver a "luz" sobre estas questões?