04 fevereiro 2004

Verdes os olhos....dela

(...) Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão - vestido de branco - oh! branco por força... a frente descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente, os olhos alçados ao céu... De que cor os olhos?(...)
- Os olhos, os olhos... - disse eu pensando já alto, e todo no meu êxtase - os olhos... pretos.
- Pois eram verdes!
- Verdes os olhos... dela, do vulto da janela?
- Verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes, brilhantes, sem preço.
- Quê! pois realmente?... É gracejo isso, ou realmente há ali uma mulher, bonita, e?...
- Ali não há ninguém - ninguém que se nomeie hoje, mas houve... oh! houve um anjo, um anjo, que deve de estar no céu.
- Bem dizia eu que aquela janela...
- É a janela dos rouxinóis.
- Que lá estão a cantar.
- Estão, esses restam ainda como há dez anos - os mesmos ou outros, mas a menina dos rouxinóis foi-se e não voltou.
- A menina dos rouxinóis! que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela?
- É um romance todo inteiro, todo feito como dizem os franceses, e conta-se em duas palavras.
- Vamos a ele A menina dos rouxinóis, menina com olhos verdes! Deve ser interessantíssimo. Vamos à história já. (...)
Já se vê que este diálogo passava entre mim e outros companheiros de viagem.
Apeámo-nos com efeito; sentámo-nos; e eis aqui a história da menina dos rouxinóis como se contou(...)

in Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 1799. Em 1809 partiu para a ilha Terceira por causa das invasões francesas. Aí recebe de um tio, bispo de Angra do Heroísmo, uma educação religiosa e clássica. Matricula-se no curso de Direito em Coimbra e adere às ideias liberais e começa a escrever algumas peças de teatro. Com a Vila-Francada, exila-se em Inglaterra, onde contacta com a literatura romântica (Byron e Walter Scott). Em 1825 publica em Paris Camões, obra marcante para o Romantismo português. Após a guerra civil, é nomeado cônsul geral em Bruxelas. Estuda a língua e a literatura alemãs (Herder, Schiller e Goethe). Regressa a Portugal em 1836 e Passos Manuel encarrega-o de reorganizar o teatro nacional, nomeando-o inspector dos teatros. Publica várias peças de teatro: Um Auto de Gil Vicente (1838), O Alfageme de Santarém (1841), Frei Luís de Sousa (1843), Falar Verdade a Mentir (1845), entre outras. Publica os romances Arco de Santana (1845) e Viagens na Minha Terra (1846), assim como os livros de poemas Flores sem Fruto (1845) e Folhas Caídas (1853). Morre a 9 de Dezembro de 1854 em Lisboa.
Biografia extraída do site Projecto Vercial