Onde está Josefa?
(São Francisco de Assis e Santa Clara Adorando o Menino, de Josefa d'Óbidos (assinado como Josefa d'Ayalla), pintura a óleo sobre cobre, 1647)
Ontem fui com o meu Abade até Óbidos. É um dos nossos passeios preferidos, mas sempre fora da altura do festival do chocolate, entenda-se. Apesar de viciada em chocolate, creio que não conseguiria enfrentar a turba salivante e feroz que todos os anos espera horas para entrar e sair da vila para provar e, sobretudo, admirar as magníficas esculturas de chocolate.
Por curiosidade, fui à procura do túmulo de Josefa de Ayala y Cabreba, nascida em Sevilha em 1630 mas conhecida como de Óbidos por amor à terra do seu pai, o também pintor Baltazar Gomes Figueira.
Josefa d'Óbidos foi uma das mais dotadas pintoras barrocas de Portugal, a introdutora na pintura seiscentista portuguesa do tenebrismo, ou seja, a manipulação da luz e, sobretudo, da sombra na criação de uma atmosfera irreal, misteriosa, entre Terra e Céu, entre a essência humana e a centelha do divino soprada em cada um de nós por um Deus que tanto se esconde nas sombras do fundo de uma tela, como se revela em tímido esplendor na luz feérica que anima os rostos contidos e graves.
A sua fama como pintora e água-fortista obrigou-a a longas e frequentes ausências da sua querida Óbidos, onde escolheu ser sepultada, na Igreja de São Pedro, sob o altar dedicado a Nossa Senhora do Rosário, sua madrinha mística.
Foi a este túmulo que Óbidos perdeu o norte durante as últimas obras de restauração da igreja. Não é que os restos mortais sejam realmente importantes quando temos a sua alma imortalizada na pintura, mas alguém que escolheu uma terra para amar e a amou tanto que a juntou ao seu próprio nome, talvez merecesse, por parte dessa terra, maior respeito e, porque não, algum amor.
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