A democracia da burka
A minha mãe diz que eu sou “do contra”, ou seja, que sinto um prazer especial em contrariar os pontos de vista alheios e diferentes dos meus. Eu concordo, até certo ponto (vêem?). Não sou gratuitamente contrariadora, se bem que, por vezes, me divirta a observar como as pessoas falam tanto da boca para fora, sem qualquer convicção, ao ponto de, ao serem sistematicamente contrariadas nos seus frágeis pontos de vista, estes desenhem círculos perfeitos durante a mesma conversa – que nem precisa ser muito longa.
Mas adiante. O que quero dizer é que o facto de frequentemente remar contra a maré não significa que goste de contrariar só pelo prazer de ser diferente. Na verdade, acredito que toda a questão tem (pelo menos) dois lados e que ambos merecem ser avaliados. Este exercício leva-me a tentar identificar o melhor e o pior de cada situação e hoje vou tentar explicar as inúmeras vantagens de usar a burka.
Para quem não sabe, o Islão pretende proteger as mulheres do mundo, dos homens, enfim de tudo o que possa maculá-las. Segundo o Corão, elas são de tal forma sagradas que precisam ser restringidas para não se magoarem (aqui os antípodas tocam-se: os católicos andaram durante séculos a dizer as piores coisas sobre as mulheres através de doutíssimas bocas, como a de São Tomás de Aquino e os resultados foram exactamente os mesmos: hábitos, trajes de penitência, cintos de castidade e outros modelos de gosto e função duvidosos, aliados a uma desconfiança e a uma má vontade que se espreguiçam pelos Tempos fora).
A verdade é que, se pensarmos bem, a burka acaba por ser o traje mais democrático à face da terra. Dentro de uma burka, toda a mulher é potencialmente interessante. Não há novas ou velhas, não há rugas nem celulite, não há gordura nem estrias. Numa sociedade cada vez mais obcecada com a eterna juventude, onde tudo o que não é novo e bonito perde todo o interesse e é rapidamente colocado na prateleira mais alta do esquecimento, digam lá, minhas queridas, se nunca vos apeteceu ter uma burkazita no guarda-fatos? Sobretudo naqueles dias em que o cabelo desenvolve personalidade própria, ou acordámos com a almofada vincada na cara, à laia de cicatriz, ou sentimos que não temos um único trapito de jeito para vestir, de entre as dezenas de cabides religiosamente enfileirados e que não suportariam o peso sequer de mais um lenço... E, sinceramente, entre um marido que vos obriga a andar tapadas dos pés à cabeça e um que vos olha dos mesmos pés à mesma cabeça com um brilhozinho de reprovação no canto do olho, qual é o melhor?
O melhor – digo eu – é não ligar nenhuma, vestir todos os dias uma burka-mental de auto-estima e perceber, de uma vez por todas, que a única maneira de sermos felizes dentro da nossa pele é fazermos as pazes com uma parte do corpo pouco atraente, que nunca estará à mostra (pelo menos assim se espera!), mas que é, paradoxalmente, a parte mais visível de cada um de nós. Os orientais têm razão: está tudo na cabeça: a beleza, a inteligência, o amor, o sexo, são processos mentais antes de mais nada. Os traumas e os medos também.
Ou, em alternativa, podem sempre seguir o conselho de Agatha Christie e casar com um arqueólogo...
Mas adiante. O que quero dizer é que o facto de frequentemente remar contra a maré não significa que goste de contrariar só pelo prazer de ser diferente. Na verdade, acredito que toda a questão tem (pelo menos) dois lados e que ambos merecem ser avaliados. Este exercício leva-me a tentar identificar o melhor e o pior de cada situação e hoje vou tentar explicar as inúmeras vantagens de usar a burka.
Para quem não sabe, o Islão pretende proteger as mulheres do mundo, dos homens, enfim de tudo o que possa maculá-las. Segundo o Corão, elas são de tal forma sagradas que precisam ser restringidas para não se magoarem (aqui os antípodas tocam-se: os católicos andaram durante séculos a dizer as piores coisas sobre as mulheres através de doutíssimas bocas, como a de São Tomás de Aquino e os resultados foram exactamente os mesmos: hábitos, trajes de penitência, cintos de castidade e outros modelos de gosto e função duvidosos, aliados a uma desconfiança e a uma má vontade que se espreguiçam pelos Tempos fora).
A verdade é que, se pensarmos bem, a burka acaba por ser o traje mais democrático à face da terra. Dentro de uma burka, toda a mulher é potencialmente interessante. Não há novas ou velhas, não há rugas nem celulite, não há gordura nem estrias. Numa sociedade cada vez mais obcecada com a eterna juventude, onde tudo o que não é novo e bonito perde todo o interesse e é rapidamente colocado na prateleira mais alta do esquecimento, digam lá, minhas queridas, se nunca vos apeteceu ter uma burkazita no guarda-fatos? Sobretudo naqueles dias em que o cabelo desenvolve personalidade própria, ou acordámos com a almofada vincada na cara, à laia de cicatriz, ou sentimos que não temos um único trapito de jeito para vestir, de entre as dezenas de cabides religiosamente enfileirados e que não suportariam o peso sequer de mais um lenço... E, sinceramente, entre um marido que vos obriga a andar tapadas dos pés à cabeça e um que vos olha dos mesmos pés à mesma cabeça com um brilhozinho de reprovação no canto do olho, qual é o melhor?
O melhor – digo eu – é não ligar nenhuma, vestir todos os dias uma burka-mental de auto-estima e perceber, de uma vez por todas, que a única maneira de sermos felizes dentro da nossa pele é fazermos as pazes com uma parte do corpo pouco atraente, que nunca estará à mostra (pelo menos assim se espera!), mas que é, paradoxalmente, a parte mais visível de cada um de nós. Os orientais têm razão: está tudo na cabeça: a beleza, a inteligência, o amor, o sexo, são processos mentais antes de mais nada. Os traumas e os medos também.
Ou, em alternativa, podem sempre seguir o conselho de Agatha Christie e casar com um arqueólogo...
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