04 agosto 2005

Viv'ó Bolhão, carago!

Acabei de ler num jornal que se está a planear para Setembro um concerto, ao estilo do Live Aid, para chamar as atenções sobre o velhinho e agora, ao que parece, bastante achacado, Mercado do Bolhão.

Acho bem. Pronto, se calhar a comparação com o Live Aid é um bocadinho exagerada, não só porque desconfio que as estrelas internacionais se estejam borrifando para o nosso Bolhão, mas também porque não se trata de salvar vidas (pelo menos não directamente).

Mas o que mais me impressiona é este eterno espírito português de cruzada, de gostar de fazer uma grande entrada dramática nos últimos minutos da peça. No último instante, quando o desfecho se revela em toda a sua crueza, eis que surgem os portugueses, fresquinhos que nem alfaces porque até aí não intervieram na acção e cheios de energia e vontade de agir. Então, quase aos gritos de por San'Tiago aos Mouros, lá vão eles, empunhando microfones em vez de espadas, armados de boa vontade e espírito cívico, dispostos a salvar o património que nunca se deveria ter deixado degradar em primeiro lugar...

Eu sei que o tempo é inflexível. Sei que não volta atrás e arrasta com ele pessoas e coisas, mesmo as mais fortes, mas se não podemos restaurar pessoas (não importa o que os cirurgiões plásticos possam pregar), podemos sempre tratar do património e quanto mais cedo, melhor.

Não vale deixar as coisas degradarem-se para depois, de repente, tomar consciência de que elas existem e até são importantes. Há uns anos atrás, quando a IURD resolveu comprar o Coliseu do Porto, houve uma verdadeira revolução popular. De repente, as pessoas perceberam que aquele património pertencia à cidade e, como tal, a todas elas também. Depressa se criou uma liga de amigos do Coliseu e a Igreja Universal teve de ir pregar par outra freguesia. Só é pena é que antes de a IURD ter, inadvertidamente, chamado a atenção do Porto e do resto do país para o Coliseu, este se encontrasse lentamente a definhar porque ninguém se importava com o seu destino. Os portuenses que se queriam amarrar às suas portas para impedir a venda, eram os mesmos que dias antes passavam pelo velho edifício e nem sequer se lembravam de que ele existia...Sai um rasgo de orgulho decrépito à moda da casa! Bem passado!

Já agora, não seria uma ideia realizar um concerto pelo Românico do norte do país que se vai afundando em degradação? Há igrejas a fazer de estábulos, sabiam? E quem diz pelo Românico, diz por todos os monumentos, grandes e "pequenos", que por este país fora vão envelhecendo sem dignidade, sem merecer o menor cuidado por parte de quem os deveria defender, porque fazem parte da nossa memória colectiva, da nossa herança, do nosso passado - e um povo saudosista por natureza deveria saber amar e preservar as relíquias do passado!

Lanço daqui o meu apelo à IURD: que tal começarem a ameaçar comprar os monumentos de Portugal? É que mesmo os mais bem "conhecidos", não estão a salvo deste povo de memória e de vistas eternamente curtas.