O drama dos domingos
Cara Sofia,
Pois é. Os domingos são um drama - definitivamente! Dorme-se sempre demais e fica-se com uma moleza e uma dor de cabeça que nos acompanha para todo o lado. Até mexer os olhos doi! Parece que desce uma névoa sobre nós que nos impede de ver as coisas claramente. Lá fiz um esforço este domingo. Arrastei o João para a Gulbenkian - e não é que lá estava o belo casamento? Ah pois estava! No meio da mosquitagem e de outros domingueiros languidamente espalhados pela relva, lá estava a noiva com uma cara aborrecida, o noivo com ar próspero e uma profusão de convidados que, à vez, se aproximavam para posar para a fotografia e depois desapareciam como setas a dizer "Bolas! Quando lá chegar ponho-me logo à vontade!". Pergunta: Se as pessoas sabem que um casamento é uma cerimónia longa, que implica ficar algum tempo de pé, porque é que insistem em usar sapatos novos e roupas dentro das quais se sentem nitidamente desconfortáveis? Será um exercício sado-masoquista inconsciente?. Mas, como estava a dizer, lá levei o João para a Gulbenkian. Passeámos por entre os tapetes persas, a arte chinesa, os livros de horas medievais, a Helena de Rubens, Mme. Claude Monet que sozinha entretinha um grupo razoável de visitantes, e o lugar do meu encantamento, a colecção René Lalique. Foi bom, estava fresco lá dentro, muita gente interessada (a maioria turistas) e quem gosta de museus gosta sempre de os ver recheados de pessoas (a menos que essas pessoas sejam turistas japoneses que enfiam o nariz nas peças que até parecem querer lambê-las...). O João gostou de conhecer. Eu gostei de rever - gosto sempre. Mas lá andava a névoazinha teimosa à nossa volta...Um dia, há muitos anos atrás, num dos meus frequentes passeios por Alfama, vi uma cena que me ficou gravada para sempre na memória: era sábado, início de Outono e o sol de fim de tarde ainda iluminava as casas. nas soleiras um grupo de senhoras conversava. Lá dentro o televisor berrava e sentia-se cheiro de comida. As crianças andavam pela rua, corriam, jogavam à bola. O sol, cansado de trabalhar, mergulhava no rio para se refrescar. Desde esse dia, sempre que quero invocar um momento perfeito, lembro-me desse sábado. Havia uma doçura qualquer no ar que eu não sei explicar nem transpôr para palavras (eu que gosto tanto de palavras e que digo tantas ao longo do dia!). Esse momento era a antítese dos domingos. Todos os dias deveriam ser sábado e ao entardecer deveria ser obrigatório vir para a rua, fechar os olhos, respirar fundo e receber o mundo em cada poro do corpo.
Tudo isto para te dizer Sofia que tens razão. Partilho inteiramente contigo a aversão aos domingos. Mas vou continuar a tentar. Pode ser que consiga ter outro momento de epifânia que, num momento, me revele a beleza escondida desse dia sempre tão tristonho.
Pois é. Os domingos são um drama - definitivamente! Dorme-se sempre demais e fica-se com uma moleza e uma dor de cabeça que nos acompanha para todo o lado. Até mexer os olhos doi! Parece que desce uma névoa sobre nós que nos impede de ver as coisas claramente. Lá fiz um esforço este domingo. Arrastei o João para a Gulbenkian - e não é que lá estava o belo casamento? Ah pois estava! No meio da mosquitagem e de outros domingueiros languidamente espalhados pela relva, lá estava a noiva com uma cara aborrecida, o noivo com ar próspero e uma profusão de convidados que, à vez, se aproximavam para posar para a fotografia e depois desapareciam como setas a dizer "Bolas! Quando lá chegar ponho-me logo à vontade!". Pergunta: Se as pessoas sabem que um casamento é uma cerimónia longa, que implica ficar algum tempo de pé, porque é que insistem em usar sapatos novos e roupas dentro das quais se sentem nitidamente desconfortáveis? Será um exercício sado-masoquista inconsciente?. Mas, como estava a dizer, lá levei o João para a Gulbenkian. Passeámos por entre os tapetes persas, a arte chinesa, os livros de horas medievais, a Helena de Rubens, Mme. Claude Monet que sozinha entretinha um grupo razoável de visitantes, e o lugar do meu encantamento, a colecção René Lalique. Foi bom, estava fresco lá dentro, muita gente interessada (a maioria turistas) e quem gosta de museus gosta sempre de os ver recheados de pessoas (a menos que essas pessoas sejam turistas japoneses que enfiam o nariz nas peças que até parecem querer lambê-las...). O João gostou de conhecer. Eu gostei de rever - gosto sempre. Mas lá andava a névoazinha teimosa à nossa volta...Um dia, há muitos anos atrás, num dos meus frequentes passeios por Alfama, vi uma cena que me ficou gravada para sempre na memória: era sábado, início de Outono e o sol de fim de tarde ainda iluminava as casas. nas soleiras um grupo de senhoras conversava. Lá dentro o televisor berrava e sentia-se cheiro de comida. As crianças andavam pela rua, corriam, jogavam à bola. O sol, cansado de trabalhar, mergulhava no rio para se refrescar. Desde esse dia, sempre que quero invocar um momento perfeito, lembro-me desse sábado. Havia uma doçura qualquer no ar que eu não sei explicar nem transpôr para palavras (eu que gosto tanto de palavras e que digo tantas ao longo do dia!). Esse momento era a antítese dos domingos. Todos os dias deveriam ser sábado e ao entardecer deveria ser obrigatório vir para a rua, fechar os olhos, respirar fundo e receber o mundo em cada poro do corpo.
Tudo isto para te dizer Sofia que tens razão. Partilho inteiramente contigo a aversão aos domingos. Mas vou continuar a tentar. Pode ser que consiga ter outro momento de epifânia que, num momento, me revele a beleza escondida desse dia sempre tão tristonho.
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