29 outubro 2003

Clarinda

Hoje é o aniversário da minha terceira avó. Já não vive na terra, mas gosto mais de me lembrar da data do nascimento das pessoas do que da data da sua partida. A Clarinda foi a segunda mulher do meu avô e, durante os poucos anos em que viveu connosco, foi um exemplo de puro amor.

Era alta, elegante, dona de uns esplêndidos olhos azuis. Sempre alegre e optimista, sempre disposta a dar tudo o que tinha. E tinha muito! Amor, atenção, carinho, conselho. Nunca lhe faltava o tempo, nunca lhe faltaram as palavras.

Nasceu em Barcelos e veio jovem para a cidade. Não para servir como era habitual, mas escondida na caravana de um circo. E artista de circo se tornou. Era contorcionista e equilibrista. Consta que muitos se apaixonaram por ela, pela bela figura de cabelos pretos até à cinta e sorriso pronto e sincero. O primeiro casamento foi infeliz e ela nunca falava sobre isso. Muitos anos depois conheceu o meu avô. O mais curisoso é que nem eu, nem a minha mãe ou a minha irmã achámos estranho ou de alguma forma chocante que outra mulher viesse tomar o lugar da minha avó. Pelo contrário: a Clarinda trouxe-nos tanta alegria, tanto amor, que foi como se um enorme jacto de luz violeta entrasse pelas nossas almas para as aquecer e confortar.

Costuma dizer-se que existem pessoas "do Bem". A Clarinda era o Bem, sem qualquer sombra de dúvida. As pessoas não se substituem e a Clarinda foi sempre a primeira e mais sincera a prestar homenagem à minha avó. Hoje é justo que lha preste a ela também. Tenho saudades dela, todos temos. Sepultámo-la junto aos meus avós. Para mim foi uma avó, embora nunca tenha conseguido chamá-la assim.

O amor incondicional é das coisas mais raras e bonitas à face da terra e, se nem todos temos a sorte de poder senti-lo, são muito menos os que de entre nós, são capazes de o dar. Ela era.