26 janeiro 2004

Sobre a morte

Este fim de semana foi-me impossível não pensar na morte. Primeiro a notícia de que Helmut Newton tinha morrido, depois a da morte de duas crianças numa localidade próxima das Caldas da Rainha – devida à inalação de gases libertados pelo esquentador que, mesmo depois de muitos avisos e inúmeros acidentes, a maioria mortal, alguns portugueses ainda insistem em manter instalado na casa de banho – e finalmente, a da morte repentina do futebolista Fehér. Eu sei que todos os dias morrem pessoas. Moro ao lado de uma casa funerária, mesmo que quisesse não me conseguiria abstrair de tal ideia. Mas a morte ganha sempre a forma de quem tocou quando chega para alguém que conhecemos, ainda que só de nome.

No Sábado passado, conversava com uma amiga sobre a morte como coisa abstracta. Dizia que, no Ocidente, passamos boa parte da vida a fintar a morte, a adiá-la, a fugir-lhe sob todos os aspectos. Não falamos sobre ela e, sempre que ela se faz sentir, há um silêncio desconfortável, uma espécie de incómodo, deixa de haver palavras, as coisas deixam de fazer sentido. É um assunto mórbido, do qual tentamos proteger as nossas crianças, não as deixando tomar parte em velórios e funerais, todo o cortejo da despedida que, por vezes, é mais cansativo do que triste. E no entanto, desde cedo tomamos consciência de que esse é o nosso fim e que, mais cedo ou mais tarde, de maneira mais ou menos repentina, todos iremos morrer.

Nestes momentos, apetece-me, mais do que nunca, celebrar a vida. A melhor homenagem que se pode prestar a quem deixou de viver, é continuar, viver melhor, mais atentos às pequenas belezas, aos instantes perfeitos. E falar, falar muito de quem já morreu. Recordar os gestos, as palavras, os cheiros, as alegrias, enfim, tudo o que ficou para trás, porque só há um lugar onde todos somos imortais: no palácio da memória. Pergunto-me sempre se a pessoa teve uma boa vida, se fez o que gostava, se amou e foi amada, se viajou, enfim, se teve um bom tempo na Terra, porque nada me entristece mais do que a vida desperdiçada.

Aos que morreram, paz; aos que vivem, inteligência para viver uma vida cada vez melhor.

1 Novas Memórias:

Blogger Rodrigo Cirino de Souza escreveu...

Sonia,
Pelo que vi, já faz um tempo que você escreveu isso. Espero que não tenha morrido (desculpe, foi uma brincadeira um tanto quanto imprópria, mas não resisti).
Só escrevo para parabenizá-la pelo texto, estava vagando na net e acabei caindo no seu blog.

Parabéns, é um texto inteligente.

06/09/2007, 17:32:00  

Enviar um comentário

<<Página Principal