15 março 2004

Arte do Dia - Um hino à Vida

Retrato de Helena Fourment, Peter Paul Rubens, c. 1630-32, óleo sobre madeira, Museu Gulbenkian, exposição permanente, Lisboa A professora que me apresentou este quadro definiu-o como um hino à vida. Não posso concordar mais. Helena Fourment é magnífica na opulência das formas, na elegância da postura e do gesto, na ostentação do vestido e do chapéu, no sorriso fecundo, triunfante e desdenhoso de mulher inteira, cheia, próspera. A figura de Helena irrompe pela tela sem precisar de cenário. Ela domina a cena, é o esplendor, o movimento, a beleza que fascina, a mulher que conhece bem o peso da sua presença e o poder do seu olhar.

Nos dias de hoje, Helena Fourment seria simplesmente uma senhora gorda – ou gordinha, como alguns gostam de dizer. Na época era uma beldade, o seu corpo poderia ter servido de modelo a uma qualquer representação de Vénus (aliás, o marido, o pintor Peter Paul Rubens, pintou uma Vénus ao espelho que poderá perfeitamente ter como inspiração o corpo de Helena). No entanto, gostaria que tentassem imaginar este hino à vida em toda a sua força sanguínea e altivez tendo como modelo uma Kate Moss, por exemplo...

É verdade que cada época tem os seus padrões de beleza que obedecem a pressupostos mais ou menos rígidos, mas parece-me que, actualmente, estamos a caminhar para uma espécie de anti-beleza ou beleza-em-série que em nada beneficia as mulheres.

Ninguém se sente mal por ser demasiado magro, mas assim que as blusas começam a ficar um pouco apertadas, eis que se instala o histerismo e é altura de correr para o ginásio ou começar a fazer dieta. Como acontece quase sempre, as mulheres são muito mais susceptíveis a este tipo de “problema”. Ou porque nos critiquemos a nós mesmas, ou porque os homens continuam a esperar que uma mulher seja, antes de mais e acima de tudo, uma coisa de beleza.

Não percebo nem aceito os (literalmente) estreitíssimos padrões de beleza que me querem impôr. Gosto de ter ancas redondas, gosto de ter seios, gosto de ter curvas e a celulite e a barriga não me aborrecem nem um pouco. Confesso que não tenho tido muito cuidado com a forma física o que me levou a engordar alguns quilos nos últimos quatro anos. E sim, gostaria de voltar ao meu peso anterior, mas não a qualquer custo. Não vou frequentar ginásios porque não tenho paciência e consigo imaginar um milhão de coisas mais interessantes para fazer com o pouco tempo que tenho livre. Recuso-me a embarcar em depressões só porque alguém, para vender um qualquer produto, quer implantar na minha cabeça um certo (pre)conceito de beleza ao qual não obedeço.

Mas assusta-me o efeito que estas pressões podem ter sobre as pessoas mais jovens. Embora saiba que a anorexia nervosa não tem exclusivamente a ver com o desejo de obedecer a um determinado critério de beleza e não é apenas um problema de adolescentes, assusta-me a inconsciência com que revistas, televisões, lojas, etc., atiram para cima dos mais jovens culpas por não serem tão escanzeladas como as top-models.

No tempo em que Rubens viveu, a vida das mulheres era difícil. Eram essencialmente esposas e mães, viviam pouco tempo, desgastadas pelos partos e aleitamentos frequentes. Não havia grande margem ou tolerância para a cultura. A sociedade não permitia que a mulheres fossem donas de si mesmas. Hoje, e apesar das dificuldades e desigualdades que continuam a existir, conquistámos o direito a viver sozinhas se assim o desejarmos, o acesso ao trabalho, à educação, o direito de apenas termos os filhos que desejamos, mas ainda deixamos que nos façam escravas de um padrão de beleza, ainda por cima pouco atraente.