30 outubro 2003

Ao Rui

Caro Rui,

Muito obrigada pelo teu simpático comentário ao post que escrevi sobre a Clarinda. Já agora, muito obrigada à Ana e à Cláudia também - os vossos comentários emocionaram-me, é bom saber que há quem nos entenda e sinta coisas parecidas com as que sentimos e nem sempre sabemos trocar por palavras.

Mas, voltando ao Rui, não posso concordar mais com o que dizes. O sangue não significa nada quando falamos de amor. Nós não sabemos se aqueles a quem chamamos pais são, de facto, os nosso pais biológicos, mas mesmo que nos dissessem que não, mesmo que nos apresentassem uma nova família e dissessem "Tu nasceste destas pessoas, é a elas que pertences porque partilham o mesmo sangue", tenho a certeza de que continuaríamos a amar as pessoas com quem fomos criados desde pequenos com o mesmo amor, porque o amor não nasce no sangue, nasce na alma. É imaterial e todas as expressões físicas de que dispomos para o demonstrar, não dão sequer uma pálida ideia daquilo que sentimos. O amor é um icebergue - a maior parte está escondida debaixo das águas e só quem nos conhece bem consegue ver através delas.

"Parir é dor, criar é amor". Não há expressão mais verdadeira. Acredito que gerar um filho e dá-lo à luz signifique uma partilha única entre pais e filho que eu não posso entender ou explicar porque nunca fui mãe. Mas adoptar uma criança não é um acto menor de amor. Gostaria de adoptar uma criança, um dia. Não importa a idade, o sexo, a cor. Se ela fosse gerada por mim, eu também não teria escolha, não é verdade? E qualquer criança, em qualquer idade precisa de amor.

Sinto que fui um pouco adoptada pela Clarinda, tal como a minha mãe, irmã e sobrinhos. Sinto que tive todo o seu amor e isso conforta-me. Os verdadeiros milagres somos nós que os fazemos. Quando é retribuído, todo o amor que damos não se esgota, antes cresce cada vez mais porque ele é a sua própria fonte.