02 maio 2006

Dar sangue é dar vida?

Sou dadora de sangue há vários anos e tenho o maior orgulho nisso. Não deveria, eu sei, até porque o orgulho é um pecado mortal e eu prezo muito a minha vida (a propósito, cometer um pecado mortal leva-nos à morte? E morremos só depois de cometer os sete? E têm de ser seguidos ou podem ser interpolados? Há uma ordem específica, tipo guião, ou tanto faz? É que se me disserem que a única pena é ir para o inferno e que cometer os ditos pecados mortais não apressa (pelo menos directamente) a morte, então eu não me importo nada e posso continuar a enfiar a cara em bolas de Berlim, a ter sexo e a praguejar como uma danada, porque mais cedo ou mais tarde irei ter com gente bonita e interessante como Hitler, Mussolini, o Estrangulador de Boston, Charles Manson e George W. Bush. Bom, eu conto morrer depois dele, mas nunca se sabe...). Mas adiante, que a questão é séria embora mais pareça comédia.

Um destes dias, fui ao Instituto Português de Sangue para fazer mais uma dádiva e sou confrontada com as novas regras da casa. Dadores que receberam transfusões de sangue após 1980 não podem dar sangue até que façam novas análises, ainda em fase de estudo. Ao que parece, isto tem toda a razão de ser e eu não discuto regras que tenham como objectivo proteger a saúde pública. Claro que não deixo de me perguntar por onde andará todo o sangue que já dei ao longo dos anos e que, pelos vistos, poderá estar contaminadíssimo...

O que me deixou furiosa e à beira de cometer mais um pecado mortal, foi a atitude da médica que me consultou, que me disse, quanto às novas análises, que eu poderia "esperar sentada" porque estas iríam demorar muito tempo e que, quando eu comentei que esta mudança de regras iria provocar um decréscimo significativo de dadores me respondeu "Significativo não direi. Há sempre maneiras de compensar.". Depois encolheu os ombros e foi ter com o filho à sala de espera, onde assistiu interessadíssima a mais uma reportagem sobre o enterro do Francisco Adam.

E pronto. Calei-me, como se costuma dizer, enfiei a minha viola no saco e fui-me embora atónita. Mas não posso deixar de pensar então para quê tantas campanhas, tantos apelos, se não faz assim tanta diferença?

Nunca me considerei uma super-pessoa por dar sangue, apenas achava que estava a fazer a minha pequena parte, a contribuir um bocadinho para tornar o mundo um sítio melhor e, afinal de contas, dizem-me que não era bem assim e que a perda não será grande. No mínimo é frustrante. Não é o tipo de coisa que um profissional de saúde responsável deva dizer. Confesso que fiquei sem a menor vontade de fazer as tais análises, quando e se algum dia me chamarem. Até lá, fico sentada a assistir à anedota que às vezes é Portugal.