26 junho 2006

Pensamento do dia II

Não gosto de futebol. Nunca gostei. Aborrecem-me as historietas por trás do jogo que são, regra geral, tudo menos desportivas. Incomoda-me que meia dúzia de rapazinhos ganhe uma pequena fortuna à custa dos adeptos, que são os únicos que levam o amor à camisola tão a sério que, por ela, são capazes de empenhar os cachuchos e vender os filhos para conseguir bilhete para aquele jogo. E estão lá horas antes, ao calor ou ao frio, sem protestar e gritam e dizem asneiras e vibram com aqueles 90 minutos como se a salvação do mundo dependesse deles.

Ultimamente Portugal foi novamente acometido da febre da bandeira – com ou sem pagodes, que o que importa é que se veja bem da lua que Portugal está enfeitado de encarnado e verde! – e eu sinto-me uma das poucas que ainda não se deixou contagiar. Não que seja desmancha-prazeres, nada disso. Ontem “sofri” (com duplo sentido em doses idênticas) o jogo Portugal-Holanda com um grupo de amigos que se desunhavam num estranho transe que eu não consegui partilhar, mas que respeitei.

Aproveitei o jogo para observar os comportamentos, quer dos meus amigos, quer dos portugueses presentes no estádio, e não pude deixar de lhes achar piada. É libertador, sem dúvida. É uma maneira de mandar o “stress” embora, de exorcisar uma série de diabitos que nos vão possuindo um bocadinho mais todos os dias. Não me aborreci, confesso. Mas não vibrei por Portugal.

Um jogo de futebol é apenas um jogo de futebol. A salvação do país não depende disso, embora os portugueses partam para cada jogo da selecção nacional com o mesmo espírito de batalha com que, em tempos idos, partiam para bater em mouros e espanhóis. O “Às armas, às armas” do hino é a estrofe mais gritada a plenos pulmões e com as almas cheias da ira divina. Mas, infelizmente, mesmo que Portugal chegue a campeão do mundo de futebol, este país irá continuar a ter salários dos mais baixos da Europa, o número de pessoas contaminadas com o VIH continuará a ser dos mais altos, os sistemas de saúde e de educação continuarão a deixar muito a desejar, a iliteracia e o analfabetismo continuarão a ser alarmantes, bem como o número de distintos cidadãos que fogem ao fisco.

Nada disto se resolverá com a taça. O apelo à bandeira nem por isso nos faz ter mais brio e querer trabalhar mais e melhor por um país que possa ser campeão noutros campos menos vistosos, mas seguramente mais importantes.