Ser mãe
A minha bisavó foi uma mulher excepcional. Veio do Norte do país muito jovem para viver em Lisboa onde sempre ganhou a vida como varina. Os primeiros homens deram-lhe dois filhos e pouco amor, até que conheceu um oficial do exército, republicano até à medula e que passava a vida a desertar, a ser preso e a fugir. Casaram e nasceu a minha avó. Mas a vida era difícil e, como o dinheiro não chegava, a minha bisavó aceitou uma menina para criar. Era muito usual este tipo de situação. Crianças de famílias abastadas, umas bastardas, outras legítimas mas que, ou por terem sido pouco desejadas ou por incapacidade da mãe biológica, acabavam por viver anos e anos com as mães de criação.
Foi o caso da minha tia-avó. A mãe tinha morrido após o parto e o pai não se achava capaz de cuidar dela, por isso entregou-a aos cuidados da minha bisavó. Pagou o primeiro ano de criação e depois desapareceu. A minha bisavó adoptou a menina e, quando o meu bisavô morreu na Flandres durante a guerra, viu-se de novo sozinha, com quatro filhos para criar. Todos cresceram, numa época em que a mortalidade infantil era assustadora. Nenhum teve uma grande educação, no que diz respeito a escola, mas todos aprenderam a ler e a escrever.
Um dia, um homem bateu à porta da minha bisavó. Era o pai biológico da minha tia-avó. Tinha casado de novo e precisava que ela voltasse para casa, para ajudar a cuidar dos irmãos. Morava no Estoril, era dono de várias sapatarias, um homem de negócios bem sucedido. A minha tia-avó trabalhava como cozinheira. Era a sua filha legítima, a primogénita, tinha o seu apelido e todos os direitos, mas apesar de tudo, ela decidiu dizer-lhe que não, que não voltaria para uma casa que não reconhecia como sua, que o seu pai tinha morrido durante a guerra e que a sua mãe ainda era viva. Quanto a cuidar dos irmãos, disse-lhe que já o fazia, que cuidava dos irmãos João, Aires e Sofia, os únicos que sabia ter. Desejou-lhe uma boa tarde e fechou a porta.
Nesse dia, a minha tia-avó abdicou de tudo a que tinha direito por nascimento porque, no seu entender, nada nem ninguém a poderia fazer esquecer a sua família de criação, que a aceitou e amou como se a eles pertencesse.
Sempre que penso em adoptar uma criança, lembro-me desta história, da minha bisavó mas, sobretudo, do meu bisavô e da sua enorme generosidade, da sua capacidade para amar que nunca distinguiu a filha que lhe saiu do sangue daqueles que tinham o sangue de outros homens e acredito que este sim é o amor verdadeiro, incondicional, protector.
“Parir é dor, criar é amor”. Muitas vezes ouvi esta frase à minha avó como uma espécie de moral desta história. Não existe verdade maior. Não acredito naquilo a que chamam “voz do sangue”, acredito no amor.
Os últimos dias têm-me enchido de tristeza porque, mais uma vez, uma criança sofreu por não ser amada, por não ter quem a protegesse, porque as pessoas de quem ela esperaria protecção foram os seus carrascos. Como ela, muitas outras sofrem e eu pergunto, até quando?
Foi o caso da minha tia-avó. A mãe tinha morrido após o parto e o pai não se achava capaz de cuidar dela, por isso entregou-a aos cuidados da minha bisavó. Pagou o primeiro ano de criação e depois desapareceu. A minha bisavó adoptou a menina e, quando o meu bisavô morreu na Flandres durante a guerra, viu-se de novo sozinha, com quatro filhos para criar. Todos cresceram, numa época em que a mortalidade infantil era assustadora. Nenhum teve uma grande educação, no que diz respeito a escola, mas todos aprenderam a ler e a escrever.
Um dia, um homem bateu à porta da minha bisavó. Era o pai biológico da minha tia-avó. Tinha casado de novo e precisava que ela voltasse para casa, para ajudar a cuidar dos irmãos. Morava no Estoril, era dono de várias sapatarias, um homem de negócios bem sucedido. A minha tia-avó trabalhava como cozinheira. Era a sua filha legítima, a primogénita, tinha o seu apelido e todos os direitos, mas apesar de tudo, ela decidiu dizer-lhe que não, que não voltaria para uma casa que não reconhecia como sua, que o seu pai tinha morrido durante a guerra e que a sua mãe ainda era viva. Quanto a cuidar dos irmãos, disse-lhe que já o fazia, que cuidava dos irmãos João, Aires e Sofia, os únicos que sabia ter. Desejou-lhe uma boa tarde e fechou a porta.
Nesse dia, a minha tia-avó abdicou de tudo a que tinha direito por nascimento porque, no seu entender, nada nem ninguém a poderia fazer esquecer a sua família de criação, que a aceitou e amou como se a eles pertencesse.
Sempre que penso em adoptar uma criança, lembro-me desta história, da minha bisavó mas, sobretudo, do meu bisavô e da sua enorme generosidade, da sua capacidade para amar que nunca distinguiu a filha que lhe saiu do sangue daqueles que tinham o sangue de outros homens e acredito que este sim é o amor verdadeiro, incondicional, protector.
“Parir é dor, criar é amor”. Muitas vezes ouvi esta frase à minha avó como uma espécie de moral desta história. Não existe verdade maior. Não acredito naquilo a que chamam “voz do sangue”, acredito no amor.
Os últimos dias têm-me enchido de tristeza porque, mais uma vez, uma criança sofreu por não ser amada, por não ter quem a protegesse, porque as pessoas de quem ela esperaria protecção foram os seus carrascos. Como ela, muitas outras sofrem e eu pergunto, até quando?
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