24 agosto 2004

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Caro Francis,

Ver-te cortar a meta comoveu-me de uma forma como nenhum campeonato de futebol foi capaz. O Euro nem me beliscou a emoção, tantos eram os interesses, tão elaborada a máquina, tanta a falta de alma, tão largo o vazio, embrulhado à pressa em tons de verde e encarnado, a fingir um patriotismo instantâneo, que durou uns dias, uns jogos, enquanto a vitória foi nossa. Abre-se a embalagem e é só juntar um pouco de nada. Deve consumir-se depressa, antes que se evapore. Não alimenta, não tem consistência, nem sabor, nem cheiro. Não tem conteúdo, porque não existe.

Mas enfim, não me apetece falar do Euro. Apetece-me mais falar de ti, da tua imensa humildade, qualidade rara nos tempos que correm, sobretudo em pessoas que, de um momento para o outro, se tornam alvo de tantas atenções. Ao contrário de outros atletas, tu nunca te queixaste, não começaste logo a preparar o terreno para um possível mau resultado com desculpas de lesões, má forma, depressões, etc. E, no entanto, já passaste por tudo isso. A única coisa que disseste foi que os tempos em que trabalhaste nas obras te estragaram os músculos e, mesmo assim, fizeste esse comentário quase como quem pede desculpas pela vida dura que teve.

Nem uma queixa, só um sorriso tímido, a esconder a confiança que vem de dentro, do fundo, da raiz do coração, alimentada de fé. Fúria de vencer, não por vaidade mas por convicção, pela vontade de ir mais alto e mais rápido, de ser o mais forte.

Se alguém personifica o espírito olímpico és tu, sem sombra de dúvida. Ganhar é bom, todos gostamos do nosso lugar no pódio de vez em quando, mas nada nem ninguém pode superar o prémio de uma missão cumprida, levada ao fim com ânimo e dignidade.