04 janeiro 2006

"Algumas ideias podem ser perigosas"

"A Papisa Joana", Donna Woolfolk Cross

Terminei recentemente a leitura deste livro e recomendo-o vivamente. Já tinha ouvido falar da história da papisa Joana, que teria conseguido iludir igreja e sociedade, ao ponto de chegar ao trono papal e que teria sido traída pela sua natureza, dando à luz em plena rua, no meio de uma procissão.

Ouvi falar desta história como um dos mitos que os luteranos e calvinistas gostavam de contar como anedota para justificar as acusações que faziam contra a igreja católica, os seus falsos pudores e dogmas decrépitos. O facto é que, lenda ou não, existem várias histórias e documentos que mencionam esta mulher como uma das muitas que, em plena Idade Média, teve de sacrificar o seu sexo para poder aprender a ler, para poder estudar, já que era comummente aceite – e activamente pregado pela igreja – que as mulheres eram, por natureza, inferiores aos homens, menos capazes física e intelectualmente e a fonte de todos os males da humanidade…

A ter existido, Joana terá vivido na Europa em pleno século IX, uma época em que o mundo se alicerçava entre a cultura decadente do império romano do ocidente, a emergente força da igreja católica como instituição, as invasões normandas e muçulmanas e o esplendor crescente de Constantinopla como capital do mundo, por oposição à Roma papal. Pouco se sabe de concreto sobre estes tempos a que alguém chamou idade das trevas, mas é inegável que hoje, passados mil e cem anos, continuam a existir ideias consideradas perigosas e continua a existir quem tenha medo delas.

No mundo do século XXI, ainda há quem acredite que as mulheres são inferiores aos homens. Saber ler está longe de ser um direito garantido e ainda há quem tenha de se disfarçar para conseguir o respeito e a dignidade mais elementares.

Em mil e cem anos o mundo é muito maior, descobrimos terras e traçámos mapas do fundo dos mares, do centro da terra, do espaço e do interior do nosso próprio corpo. Somos mais, mais fortes, mais sofisticados, supostamente mais inteligentes, mas, pelos vistos, ir numa casca de noz ao outro lado do mundo foi mais aceitável do que reconhecer que a pessoa ao nosso lado é igual a nós, independentemente de raça, sexo, sexualidade, credo ou convicções.