26 agosto 2004

Querido Zé Maria,

Não sei muito bem quem você é, porque fui um dos dois portugueses que não assistiram ao “Big Brother”. Deveria acrescentar “com muita pena minha”, mas a verdade é que não tive pena nenhuma. Não vi por opção, porque sei que, 99% das vezes, a intimidade das pessoas não tem interesse nenhum. Se eu tivesse alma de “voyeur”, preferiria espreitar os momentos íntimos dos que me são queridos. Mas não tenho e acho uma completa falta de respeito e um rematadíssimo disparate perder tempo a olhar esbugalhada para dentro da janela de alguém que não conheço, que não me é nada e que, tanto quanto sei, nunca fez nada de especialmente interessante na vida.

Note bem que não há despeito nas minhas palavras. Gosto da minha vida tal e qual ela é. Claro que não sou hipócrita ao ponto de dizer que não gostaria que a minha conta bancária fosse um bocadinho mais saudável, mas paciência. Trabalha-se, ganha-se, gasta-se. Vai-se dando uns passeios, uns com os pés, outros com a imaginação, de quando em vez janta-se fora e assim se vive, a contar os tostões (perdão, os cêntimos). Mas, mesmo assim, digo-lhe que nunca, por razão alguma (ou por quantia alguma) seria capaz de me expor da maneira como você o fez.

Disparate, meu caro, grande disparate! As pessoas não se apaixonaram por si, pelo seu modo tímido de ser, pelo seu recato, pela imagem de bom rapaz, vindo da província, amigo dos pais e dos animais. Os espectadores deste tipo de programa são criaturas ávidas, salivam por escândalos, poucas vergonhas, violência (mas não em demasia), sexo (mas não explícito) e, na verdade, consomem hora após hora de programa só para não perder o momento em que o circo começa a arder.

Estas são as mesmas pessoas que devoravam (e devoram) as chamadas revistas cor-de-rosa. Adoram a coscuvilhice, a vida alheia, seja a do vizinho de cima, seja a da princesa de Tumbuctu. Os motivos? Nenhum em especial, ou muitos em particular. Tédio, frustração, curiosidade, sadismo, mordidez, enfim, sabe-se lá… Os psicólogos lá vão aproveitando para fazer uns estudos, elaborar umas teses, conseguir material para mais artigos, livros ou doutoramentos

Mas, vendo bem, era fácil de prever que estas pessoas se iriam esquecer de si. Em bom rigor, elas nunca o conheceram! Sabe Deus como é complicado para escritores, actores, cantores, etc., artistas com talento e cujas carreiras dependem do reconhecimento público conseguir manter-se vivos nas efémeras memórias da populaça. Quanto mais um grupo de rapazes e raparigas, sem quaisquer talentos notórios que apenas tiveram o enorme descaramento de expor as suas desinteressantes vidas ao país inteiro.

Já tinha ouvido dizer que você andava por baixo. Aliás, ouvi-o lamentar-se há largos meses a esse outro prodígio, Manuel Luís Goucha. O que me chamou a atenção não foi tanto o que você dizia, mas a pronúncia que usava. Você escancarava a boca a cada palavra e despudoradamente falava com sotaque “à tio”… Ora bolas! Como é que um alentejano fica a falar assim, quase de um dia para o outro? Teve vergonha do seu sotaque? Achou que seria mais facilmente aceite aqui na capital se falasse com a adorável espontaneidade dos “tios” e “tias” do Jet?

Meu caro, você devia ter pegado no dinheiro que ganhou, voltado para a sua terra e aberto um restaurante típico ou então podia ter-se dedicado ao turismo rural. Mas não. O menino gostou do sabor da fama, das borlas ocasionais, de ser reconhecido na rua, de ver a sua carinha laroca estampada na capa de qualquer revista, bem ao lado da legenda “Aprenda a satisfazer o seu parceiro! Ofereça-lhe uma semana de sexo e “bondage” consigo e com a sua irmã”. E depois foi o que se viu, ou melhor, o que se tem lido. Tentativas de suicídio, internamentos, etc. Espero que não me leve a mal, mas a história da ponte não me convence. Conheço vários suicidas profissionais e sei que são capazes de encenações que fariam qualquer La Feria roxo de despeito. Quem se quer matar não dá sinais, não pára, não hesita, não reflecte no último momento e, sobretudo, não se deixa dissuadir.

Deixe-se de espectáculos baratos e lastimáveis e dedique-se a si e aos seus que também foram (e continuam a ser) demasiado expostos por sua causa. Se recuperar um pouco da sua fama com todo este imbróglio, porque não tratar de a usar para protestar contra as atrocidades que todos os anos se cometem, à sombra da Lei, na sua terra natal? Isso sim, seria mostrar talento.

Espero que não me tenha levado a mal. É que ver pessoas a desperdiçar a vida por causa de uma coisa que não tem sabor, nem cheiro, nem forma como o sucesso, aborrece-me solenemente. Preocupe-se mais em ser famoso junto dos seus, daqueles que realmente gostam de si, que lhe reconhecem os talentos e que não o esquecem nem o trocam por nada nem por ninguém! Nem pelo novo namorado da princesa do Bhárein!